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Maria Pace Chiavari


Genealogia de uma empresa: de Gianelli & Cia a S.A. Moinho Fluminense


Viga original produzida pela fábrica inglesa Thomas Robinson & Son de Rochdale, cuja compra aconteceu pelo intermediário da firma John Moore & Cia, com sede na Rua Candelária, nº 92. Foto de Mauricio Hora, 2021.
Viga original produzida pela fábrica inglesa Thomas Robinson & Son de Rochdale, cuja compra aconteceu pelo intermediário da firma John Moore & Cia, com sede na Rua Candelária, nº 92. Foto de Mauricio Hora, 2021.

A primeira empresa no Brasil relacionada à farinha de trigo processada é aberta por Carlos Gianelli em 1880, em cumprimento do projeto estabelecido pelo pai em Montevidéu. Na escolha de sua localização, na Rua Larga, hoje Rua Marechal Floriano,39 prevalece a proximidade da estação ferroviária e a centralidade da área onde, na época, coexistiam o uso residencial e o comercial.40 Poucos anos são suficientes para Gianelli se ambientar ao clima carioca e se integrar ao meio financeiro da cidade. Resultado disso é seu contrato de sociedade com o banqueiro e industrial brasileiro Francisco de Paula Mayrink, firmado em 1883.41 Segundo os termos do contrato social, Gianelli entrava na sociedade com sua indústria, calculada em Rs. 800:000, enquanto o brasileiro Mayrink investia Rs. 200:000.42

O impacto causado pelo encilhamento, fenômeno econômico iniciado no final da monarquia, favorece a expansão do empreendimento.43 Quatro anos depois, é assinado o ato da sociedade em comandita, Gianelli &C, com sede no Rio de Janeiro.44 Os acionistas majoritários são Carlos Gianelli e o irmão Leopoldo. Ainda em 1887, o alvará de funcionamento da indústria Moinho Fluminense é expedido pelas mãos da Princesa Isabel, regente na ausência do imperador Dom Pedro II.45

Para a instalação da nova empresa, privilegia-se a área portuária, por melhor responder às exigências do moderno estabelecimento industrial de grande porte. Entre os fatores de atração dessa parte da cidade, está sua disponibilidade a novos usos, devido à progressiva perda de significados de antigas tipologias e serviços, como a Praça da Harmonia,46 ligada a uma visão mercantilista ultrapassada.47 Todavia, o que motiva a concentração de importantes empreendimentos nesse lugar, até então pouco valorizado, é a oferta de transportes, nessa época difíceis e até inexistentes, em grande parte do Rio de Janeiro. Se o porto serve para a importação e exportação de produtos, a difusão desses no mercado interno é favorecida pela proximidade da Estação da Estrada de Ferro Pedro II e seus ramais. Não é simples coincidência o fato de que o Gasômetro primeiro e, em seguida, o Moinho Inglês e o Moinho Fluminense escolheram localidades próximas ao porto.48

Para a instalação do estabelecimento, os irmãos Gianelli adquirem o prédio nº 170, na Rua da Saúde, e o terreno contíguo com suas benfeitorias, correspondente ao nº 172 da mesma rua e que se estendia até o mar.49 Nessa época, a Rua da Saúde representava a principal artéria da área portuária, onde se concentravam trapiches, como o que pertencia a um tal Moss, e diferentes estabelecimentos, entre os quais a firma Leandro de Souza & Moss.50

Uma vez encontrado o lugar destinado à construção do moderno moinho, foi necessário pensar no seu equipamento. Este deveria responder ao prioritário e ambicioso objetivo mencionado no ato da constituição legal da sociedade Moinho Fluminense: obter as melhores farinhas do mercado. Para que os resultados obtidos se diferenciassem dos produzidos pela concorrência, além da própria matéria-prima, resultado de uma cuidadosa escolha do trigo importado, era fundamental a qualidade das máquinas utilizadas. No próprio ato, foi colocada como exigência que os maquinários fossem encomendados aos melhores fabricantes da Inglaterra. Entre esses, foi escolhida a fábrica inglesa Thomas Robinson & Son, de Rochdale, Inglaterra.51

Por seus conhecimentos na área técnica de moagem, aperfeiçoados na Inglaterra, Carlos Gianelli assume a direção e fiscalização da operação de montagem e instalação dos equipamentos. O objetivo era alcançar a máxima capacidade das máquinas, ou seja, fabricar 89 toneladas de farinha por dia.52

O bom desempenho do Moinho Fluminense, desde os primeiros anos de funcionamento, se deve à grande experiência dos irmãos Gianelli. Além de ótimos gestores, eles souberam atrair os comerciantes de farinha e os padeiros para que se tornassem acionistas da empresa.53  [V]

Em 1889, Carlos assume as funções de diretor e presidente da renovada sociedade, que recebe o nome de S.A. Moinho Fluminense.54

[V]
Nota na imprensa

Sob a firma social de Gianelli & C., vai se organizar, nesta corte, uma sociedade em commandita para fundar um estabelecimento de moagem de trigo e outros cereais, e desenvolver por todos os meios a cultura desses produtos no Brasil. 

Tão útil iniciativa pertence aos Srs. Carlos Gianelli e Leopoldo Gianelli, industriais inteligentes, cuja prática n’este ramo de indústria constitui uma garantia de futuro e prosperidade para nova empresa, que tomará o nome de Moinho Fluminense. 

(Jornal dos Economistas, edição 00002, 1887)

Cópia oficial de 1936 da Outorga do Decreto n° 9.776 de funcionamento do Moinho Fluminense, assinado pela Princesa Isabel em 25 de agosto de 1887. ACERVO CENTRO DE MEMÓRIA BUNGE
Cópia oficial de 1936 da Outorga do Decreto n° 9.776 de funcionamento do Moinho Fluminense, assinado pela Princesa Isabel em 25 de agosto de 1887. ACERVO CENTRO DE MEMÓRIA BUNGE


39. No Almanak de 1883, Carlos Gianelli é mencionado como único importador de farinha de trigo já processada.
40. Almanak administrativo, mercantil e industrial do império do Brasil para 1883. Rio de Janeiro: H. Laemmert & C, 1883.
41. O contrato, registrado na Junta Comercial da Corte, no dia 11 de julho de 1883, estabelece a constituição da “Gianelli & CIA”.
42. Ministério de Justiça e Negócios Interiores. Junta Comercial. Livro 149. Registro 25840 de 11/07/1883. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1883.
43. SUZIGAM, Wilson. Investiments in the manufacturing industry in Brazil (1869-1939). Tese de Doutorado. University College, Londres, 1984. p. 323.
44. O Programma Guiador, Folha Diária (RJ), 1887, edição 00122. Fonte: Hemeroteca Biblioteca Nacional.
45. Acervo CMB.
46. O Mercado da Praça da Harmonia, inaugurado em 28 de janeiro de 1857 e demolido em 7 de agosto de 1900, ocupava a área onde fica a Praça Coronel Assunção (conhecida como Praça da Harmonia), no bairro da Saúde, zona portuária do Rio.
47. FRANÇA, Carolina Rebouças; REZENDE, Vera F. O desaparecimento do Mercado Municipal Praça XV, fator na formação do espaço público da Cidade do Rio de Janeiro. In: I ENARPARQ, Rio de Janeiro, 29 nov. a 3 dez. 2010. Disponível em: <http://www.anparq.org.br/dvd-enanparq/simposios/195/195-350-1-SP.pdf>. Acesso em: mar. 2021.
48. ABREU, Mauricio de Almeida. Natureza e sociedade no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Secretaria Municipal de Cultura, Turismo e Esporte. Departamento Geral de Documentação e Informação Cultural, Divisão de Editoração, 1992. p. 18.
49. HISTÓRICO DO MOINHO FLUMINENSE. São Paulo: Centro de Memória Bunge, 2011. p. 4.
50. LAMARÃO, Sergio Tadeu de Niemeyer. Dos trapiches ao porto: um estudo sobre as áreas portuárias do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Secretaria Municipal de Cultura, Turismo e Esportes. Departamento Geral de Documentação e Informação Cultural. Divisão de Editoração, Biblioteca Carioca, 1991. p. 108.
51. Idem, p. 33.
52. Em A Semana (Rio de Janeiro, 5 fev. 1997, p. 48), encontram-se relacionados os dados técnicos do Moinho Fluminense no momento de sua inauguração.
53. O Programma Guiador, Folha Diária (RJ), 1887, edição 00122. Fonte: Hemeroteca Biblioteca Nacional.
54. Idem.