Maria Pace Chiavari
Genealogia de uma empresa: de Gianelli & Cia a S.A. Moinho Fluminense
A primeira empresa no Brasil relacionada à farinha de trigo processada é aberta por Carlos Gianelli em 1880, em cumprimento do projeto estabelecido pelo pai em Montevidéu. Na escolha de sua localização, na Rua Larga, hoje Rua Marechal Floriano,39 prevalece a proximidade da estação ferroviária e a centralidade da área onde, na época, coexistiam o uso residencial e o comercial.40 Poucos anos são suficientes para Gianelli se ambientar ao clima carioca e se integrar ao meio financeiro da cidade. Resultado disso é seu contrato de sociedade com o banqueiro e industrial brasileiro Francisco de Paula Mayrink, firmado em 1883.41 Segundo os termos do contrato social, Gianelli entrava na sociedade com sua indústria, calculada em Rs. 800:000, enquanto o brasileiro Mayrink investia Rs. 200:000.42
O impacto causado pelo encilhamento, fenômeno econômico iniciado no final da monarquia, favorece a expansão do empreendimento.43 Quatro anos depois, é assinado o ato da sociedade em comandita, Gianelli &C, com sede no Rio de Janeiro.44 Os acionistas majoritários são Carlos Gianelli e o irmão Leopoldo. Ainda em 1887, o alvará de funcionamento da indústria Moinho Fluminense é expedido pelas mãos da Princesa Isabel, regente na ausência do imperador Dom Pedro II.45
Para a instalação da nova empresa, privilegia-se a área portuária, por melhor responder às exigências do moderno estabelecimento industrial de grande porte. Entre os fatores de atração dessa parte da cidade, está sua disponibilidade a novos usos, devido à progressiva perda de significados de antigas tipologias e serviços, como a Praça da Harmonia,46 ligada a uma visão mercantilista ultrapassada.47 Todavia, o que motiva a concentração de importantes empreendimentos nesse lugar, até então pouco valorizado, é a oferta de transportes, nessa época difíceis e até inexistentes, em grande parte do Rio de Janeiro. Se o porto serve para a importação e exportação de produtos, a difusão desses no mercado interno é favorecida pela proximidade da Estação da Estrada de Ferro Pedro II e seus ramais. Não é simples coincidência o fato de que o Gasômetro primeiro e, em seguida, o Moinho Inglês e o Moinho Fluminense escolheram localidades próximas ao porto.48
Para a instalação do estabelecimento, os irmãos Gianelli adquirem o prédio nº 170, na Rua da Saúde, e o terreno contíguo com suas benfeitorias, correspondente ao nº 172 da mesma rua e que se estendia até o mar.49 Nessa época, a Rua da Saúde representava a principal artéria da área portuária, onde se concentravam trapiches, como o que pertencia a um tal Moss, e diferentes estabelecimentos, entre os quais a firma Leandro de Souza & Moss.50
Uma vez encontrado o lugar destinado à construção do moderno moinho, foi necessário pensar no seu equipamento. Este deveria responder ao prioritário e ambicioso objetivo mencionado no ato da constituição legal da sociedade Moinho Fluminense: obter as melhores farinhas do mercado. Para que os resultados obtidos se diferenciassem dos produzidos pela concorrência, além da própria matéria-prima, resultado de uma cuidadosa escolha do trigo importado, era fundamental a qualidade das máquinas utilizadas. No próprio ato, foi colocada como exigência que os maquinários fossem encomendados aos melhores fabricantes da Inglaterra. Entre esses, foi escolhida a fábrica inglesa Thomas Robinson & Son, de Rochdale, Inglaterra.51
Por seus conhecimentos na área técnica de moagem, aperfeiçoados na Inglaterra, Carlos Gianelli assume a direção e fiscalização da operação de montagem e instalação dos equipamentos. O objetivo era alcançar a máxima capacidade das máquinas, ou seja, fabricar 89 toneladas de farinha por dia.52
O bom desempenho do Moinho Fluminense, desde os primeiros anos de funcionamento, se deve à grande experiência dos irmãos Gianelli. Além de ótimos gestores, eles souberam atrair os comerciantes de farinha e os padeiros para que se tornassem acionistas da empresa.53 [V]
Em 1889, Carlos assume as funções de diretor e presidente da renovada sociedade, que recebe o nome de S.A. Moinho Fluminense.54
[V]
Nota na imprensa
Sob a firma social de Gianelli & C., vai se organizar, nesta corte, uma sociedade em commandita para fundar um estabelecimento de moagem de trigo e outros cereais, e desenvolver por todos os meios a cultura desses produtos no Brasil.
Tão útil iniciativa pertence aos Srs. Carlos Gianelli e Leopoldo Gianelli, industriais inteligentes, cuja prática n’este ramo de indústria constitui uma garantia de futuro e prosperidade para nova empresa, que tomará o nome de Moinho Fluminense.