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Augusto Ivan de Freitas Pinheiro e Eliane Canedo
Pesquisa e colaboração: Cristiane Titoneli


A chegada dos Acarás


Pintura retratando o período colonial. Fragata em uma tormenta diante do Pão de Açúcar, entrando no porto do Rio de Janeiro. Emeric Essex Vidal, 1816. ACERVO CASA GEYER/IBRAM
Pintura retratando o período colonial. Fragata em uma tormenta diante do Pão de Açúcar, entrando no porto do Rio de Janeiro. Emeric Essex Vidal, 1816. ACERVO CASA GEYER/IBRAM

No início, tudo era uma imensidão de terras encharcadas reunidas em torno de alguns morros baixos cercados de pântanos, lagoas e manguezais. Como molduras recuadas, elevavam-se as cordilheiras formadas por maciços rochosos, montanhas cobertas por densas florestas tropicais e serras altas mais distantes. Naquele remoto ano de 1502, constituíam desafios gigantescos e de superação quase inimaginável.

Ao largo e nos sopés dessas terras úmidas e picos pontiagudos, espraiava-se uma imensa baía, que os indígenas chamavam de Guanabara e que os portugueses, depois de constatarem não se tratar da foz de um grande rio nem seio de mar, batizaram São Sebastião do Rio de Janeiro. A denominação lusitana da nova localidade era uma homenagem ao rei de Portugal e ao mês em que foram avistadas as terras dos cariocas, nome dado pelos indígenas aos portugueses recém-chegados: cari-oca (casa de branco) ou acará (peixe cascudo semelhante às armaduras dos descobridores). O codinome “carioca” ficou, apesar das dúvidas sobre suas origens.

Na pequena praia, dominada pelo imenso rochedo assemelhado a um pão de açúcar da época, aportaram as caravelas portuguesas, comandadas por Gaspar de Lemos em missão exploratória da costa brasileira havia pouco descoberta. Era a primeira vez que homens brancos pisavam nestas terras. Haviam viajado por longos oito meses desde a partida de Portugal e, naquele momento, alcançavam um cenário onde tudo era avassalador: as águas cristalinas, as matas fechadas e úmidas, as rochas altíssimas, as montanhas, o sol abrasador, as flores perfumadas, os animais ferozes, as aves multicoloridas, as chuvas de fim de mundo, a nudez do povo local.

No emaranhado das matas virgens também há quem encontre um lugar seguro, bem longe da Europa, para exilar o monstro do medo que traz os homens desassossegados. Desenham-se mapas onde bichos estranhos vagam pelas costas do Brasil. Mas é aí que se pensa sobretudo descobrir amostras do paraíso terrestre, vestígios de um Éden que os homens cuidavam já ter perdido de todo. E há que situe o reino da Utopia à altura da Baía do Rio de Janeiro.1

Baía imensa, de águas calmas, emoldurada por pequenas praias de areias branquíssimas, rochas caprichosas, gamboas, enseadas e ilhas encantadoras. Sítio ideal para proteger o novo território lusitano das invasões estrangeiras, para se estabelecer um porto tranquilo, seguro, de águas propícias ao fundeamento de navios ao sul do Equador e para servir de embarque das mercadorias da terra.

Sob o signo das atividades portuárias, esta baía teria nos séculos vindouros seu destino definitivamente ligado ao da cidade. Foi por isso que, após a sua fundação (em 1565), aos pés do Morro Cara de Cão e do Pão de Açúcar, viu-se a cidade transferida, dois anos depois, para o Morro do Castelo.

Seu contato com a baía era mais propício à defesa militar e ao aportamento, trazendo, e principalmente levando, mercadorias de navios, deixando a cidade ao abrigo das águas do Oceano Atlântico e mais próxima às áreas de extração das primeiras riquezas retiradas de suas terras, notadamente o sanguíneo pau-brasil, a rica pesca da baleia e, só depois, a doce cana-de-açúcar. As riquezas eram fartas e cobiçadas e, aparentemente, inesgotáveis.



1. LATIF, Miran de Barros. Uma cidade no trópico: São Sebastião do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Livraria Agir Editora, 1965. p. 19.