Mark

Maria Pace Chiavari


A empresa Antonio Jannuzzi, Irmão & Cia.


O apreço e respeito que hoje suscitam as numerosas obras produzidas por Antonio Jannuzzi ao longo de sua brilhante carreira, através de sua firma em permanente renovação, se devem à importante contribuição trazida ao processo de modernização da capital do Brasil. Junto às inovações introduzidas no mundo da construção, destaca-se a capacidade do construtor italiano de impor novos hábitos inerentes às diversas formas de morar, que ajudaram a transformar uma sociedade ancorada no passado.

O fio condutor desse articulado caminho coincide com o itinerário traçado, no Brasil, pelo próprio Antonio ao chegar ao Rio de Janeiro, em 1873. Ele carrega a formação no setor da construção, recebida em Fuscaldo junto ao pai e, no que concerne ao desenho, os fundamentos dessa arte, aprendidos no ateliê do pintor Giovanni Battista Santoro. Pelo conjunto de tais conhecimentos, Jannuzzi se apresenta, no novo continente, como mestre de obras.25 No Rio de Janeiro, em breve tempo, seu currículo se enriquece graças às numerosas obras conduzidas por ele e às realizadas em parceria com engenheiros e arquitetos. Completa essas experiências o amplo repertório aprendido em catálogos, revistas e manuais. Sem possuir títulos acadêmicos, Antonio praticava a arquitetura, fazendo parte do grupo crescente de autodidatas que operava, então, no setor da construção.26

No ano seguinte à sua chegada, uma proposta de contrato, do engenheiro Candido de Oliveira, anima-o a criar a empresa. O irmão mais jovem, Giuseppe, que até então permanecera em Montevidéu, integra-se ao projeto.

Inaugura o funcionamento da firma, cujo primeiro nome é Sociedade Antonio Jannuzzi & Irmão, a construção do elevador de Paula Machado, no bairro de Santa Teresa. Em 1877, o mesmo engenheiro volta a contratar a firma para a construção do plano inclinado no mesmo bairro. A facilitação do acesso às ladeiras de Santa Teresa dá à firma oportunidade de trabalho no setor de habitação. Logo, parte das construções solicitadas, destinadas a residências, são ocupadas por emigrantes da Calábria, região de origem de Jannuzzi. Tal passado é lembrado até hoje, por ainda permanecerem alguns descendentes dessas antigas famílias. A denominação de “bairro dos calabreses” é, desde então, atribuída a Santa Teresa. Entre as construções da época, ainda está, na Rua Monte Alegre, o edifício projetado na primeira década do século XX pelo próprio Antonio Jannuzzi para moradia de sua família.

A chegada de tão grande número de calabreses ao Rio de Janeiro pode talvez ser explicada pela política da empresa de Antonio Jannuzzi. Após nove anos de sua constituição, em 1884, ao notável aumento de capital registrado27 correspondem encomendas de trabalhos sempre mais sofisticados. Para enfrentar tal desafio, o maior problema está no forte atraso do sistema de construção em uso na cidade. A solução foi incentivar a imigração, da Itália, de operários especializados no setor. A ideia da imigração abrange também a própria família Jannuzzi. Chegam da Itália mais três irmãos de Antonio: Francesco e Camillo vêm primeiro; mais tarde, chega Michelangelo, o caçula.

Com a introdução de novos parceiros, a empresa se estrutura no esquema de tipo familiar, segundo a antiga tradição italiana, utilizada também por Santiago Gianelli quando se tratou de repartir a gestão dos moinhos. Na divisão dos cargos, Antonio, como primogênito e chefe da família, concentra as funções de presidente, diretor e empreiteiro. Os irmãos se dividem nos outros setores, em função das especialidades de cada um. No novo cartão de visita, junto à denominação da firma, menciona-se o que merece destaque na comparação às concorrentes. Trata-se da qualidade do trabalho e dos materiais. São esses os principais elementos da fórmula que permite à empresa tornar-se competitiva.

Para manter o nível, a maioria dos materiais utilizados são importados da Europa. Até o cimento é transportado em navio. Na construção do Moinho Fluminense, a estrutura de vigas e colunas metálicas, assim como as grades e os arcos de ferro dos passadiços, chegaria da Inglaterra. Para alcançar a qualidade desejada e diminuir as despesas, a empresa torna-se cada vez mais empreiteira, criando oficinas próprias para produzir e trabalhar os materiais, como se vê nos anúncios divulgados em revistas e jornais.28 A capacidade do construtor italiano em articular sua firma pode ser avaliada pelo episódio relacionado à sua partida do porto do Rio de Janeiro, a bordo do navio Íris, do Lloyd Brasileiro, com uma equipe de quatrocentas pessoas, entre engenheiros, arquitetos, especialistas, artesãos e operários, além do material de construção.29 O destino era Manaus, onde o empresário tinha recebido uma encomenda do governador José Ramalho para construir o hospital da Santa Casa de Misericórdia. Além do espírito aventureiro do dono, tal história confirma, ainda uma vez, o principal capital da empresa e que é a razão do seu sucesso: trata-se da própria mão de obra, selecionada e qualificada por Antonio Jannuzzi.

Uma vez concluída a construção do Moinho Fluminense, o bom êxito alcançado traz à firma importantes projetos de novas edificações e recuperações de palácios em áreas próximas da cidade do Rio de Janeiro. É o caso do Palácio do Barão das Duas Barras, em Nova Friburgo, e do Palácio Rio Negro, em Petrópolis.30

Em todos os projetos das firmas de Antonio Jannuzzi apresentados para obter a licença de obra, está a assinatura do próprio diretor da empresa, na qualificação oficial de “construtor licenciado”.31 Na vida social, era hábito do italiano se apresentar, amigavelmente, como “arquiteto construtor”. É possível verificar que sua filiação oficial ao Clube de Engenharia é confirmada, em 1883, quatro anos antes de assinar o projeto do Moinho Fluminense. Em tal atestado, seu nome é acompanhado pelo de Adolpho Del Vecchio, responsável pela apresentação de Jannuzzi no Clube, garantindo a sua admissão como “sócio efetivo” com o título de “engenheiro arquiteto”, residente na Rua Monte Alegre, 482. Entre Del Vecchio e Jannuzzi, havia recíproca admiração. Além de serem ambos de origem italiana, interessavam-se por materiais de construção, tema tratado por Del Vecchio numa conferência publicada na Revista do Clube de Engenharia, em 1887, e aplicado por Jannuzzi em suas numerosas edificações.



25. RICCI, G. B. Antonio Jannuzzi, Irmão e Cia. na Exposição Nacional do Rio de Janeiro MCMVIII. Rio de Janeiro: Typographia do Jornal do Commercio de Rodrigues & C., 1908. p. 7.
26. FABRIS, Annateresa. Arquitetura eclética no Brasil: o cenário da modernização. Anais do Museu Paulista, Nova Série Nº1, 1993. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/anaismp/v1n1/a11v1n1.pdf>. Acesso em: mar. 2021.
27. Idem.
28. Anúncio da empresa Jannuzzi publicado na Revista de Architectura no Brasil, ano 1, nº 2, nov. 1923.
29. CAPPELLI, Vittorio. A belle époque italiana no Rio de Janeiro: aspectos históricos da emigração meridional na modernidade carioca. Niterói: EdUFF, 2013. p. 96.
30. Idem, p. 9.
31. Projetos remanescentes da empresa Antonio Jannuzzi, Irmão & Cia apresentados para obter a licença de obra estão guardados no Arquivo da Cidade.