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Augusto Ivan de Freitas Pinheiro e Eliane Canedo
Pesquisa e colaboração: Cristiane Titoneli


Caça às baleias


As águas tépidas da Baía de Guanabara nos meses de inverno tropical, de junho a agosto, certamente eram por si só um atrativo. Maior ainda para as baleias, que, aos milhares, ano após ano, fizeram viagens desde o hemisfério norte até o sul do Equador. Com seus bebês, procuravam algo próximo ao paraíso para criá-los e encontraram, mas se tornaram um produto cobiçado pelos homens aventureiros que para cá vieram atraídos pelo mesmo desejo de encontrar um paraíso cheio de riquezas. O resultado foi melhor para os homens, que introduziram em águas brasileiras uma atividade bem conhecida deles: a pesca ao grande cetáceo.

Segundo Marcelo de Oliveira Paz:5

(...) os dois principais produtos de interesse comercial beneficiados dos cetáceos eram o azeite de baleia, vulgarmente denominado azeite de peixe, e as barbatanas que se encontravam nos exemplares da numerosa subordem dos Misticetos. Contudo, no primeiro quartel do século XVIII, o universo baleeiro viu nascer uma nova vedeta; a caça ao Cachalote (Physeter macrocephalus). Este animal possuía dentes e atingia grandes proporções, além disto era detentor de um perfil psicológico distinto das outras espécies, sendo por vezes extremamente agressivo, situação que levou o escritor Herman Melville, autor de Moby Dick, a associá-lo com o Leviatã bíblico. Vencida a batalha contra este monstro marinho, o seu enorme corpo transformava-se num baú repleto de tesouros.

Da baleia, tudo se aproveitava: os ossos, as barbatanas, os dentes, a carne, a gordura, o espermacete e até o valioso âmbar-gris (substância sólida, gordurosa e inflamável, que, produzida nos intestinos dos cachalotes, transformava-se em elemento precioso como fixador dos mais finos perfumes). Delas, originavam-se o azeite de cozinha, a carne, as velas, os espartilhos, o calafate dos cascos das embarcações, a argamassa da construção civil, os candeeiros de iluminação a óleo, os remédios contra reumatismo e doenças de pele.

Nos tempos iniciais, a logística de trabalho era rudimentar. Arpoada e morta, a baleia muitas vezes tinha seu corpo trazido à embarcação e ali retalhado e transformado em subprodutos a serem encaminhados ao destino comercial. O modo mais comum, entretanto, era o reboque do cetáceo até as armações, espécie de instalação industrial rudimentar onde o imenso corpo era transformado nos inúmeros subprodutos levados ao consumo local ou transportados, depois de passar pelo porto do Rio, para os mercados de além-mar. As armações mais conhecidas na costa fluminense eram as de Búzios e de São Domingos (Niterói) e as da Ilha Grande (Angra dos Reis).

Uma das primeiras atividades econômicas da cidade do Rio de Janeiro, a caça às baleias, cuja introdução no Brasil data de 1615, teve seu apogeu no início da década de 1770 e seu declínio no final da mesma década. Apesar de continuar em operação até 1801, quando terminou o monopólio da Coroa, sua decadência deveu-se à concorrência com outros países e com as dificuldades impostas pelo monopólio que tornaram a atividade pouco competitiva. É esclarecedor, neste sentido, a qualificação como “pesca sedentária” atribuída à atividade no Brasil, bem como a amplitude da prática da atividade, limitada à faixa marítima próxima à costa e na Baía de Guanabara.6
 
Mapa da baía e da cidade do Rio de Janeiro. Nicolas Dronet, 1745. ACERVO MUSEU HISTÓRICO NACIONAL
Mapa da baía e da cidade do Rio de Janeiro. Nicolas Dronet, 1745. ACERVO MUSEU HISTÓRICO NACIONAL


5. PAZ, Marcelo de Oliveira. Companhia da pescaria das baleias nas costas do Brasil: caça ao Leviatã dos mares. Dissertação (Mestrado em Estudos Brasileiros) - Universidade de Lisboa, Instituto de Ciências Sociais, 2015. p. 2
6. ELLIS, Myriam. Aspectos da pesca da baleia no Brasil colonial. Revista de História, v. 16, n. 34, 1958. Disponível em: <https://www.revistas.usp.br/revhistoria/issue/view/8129>. Acesso em: mar. 2021.