Mark

Augusto Ivan de Freitas Pinheiro e Eliane Canedo
Pesquisa e colaboração: Cristiane Titoneli


Anos 2000: Porto Maravilha


O porto da cidade do Rio de Janeiro, o viaduto da Perimetral e a Ponte Rio-Niterói ao fundo, em 1986. ACERVO CENTRO DE MEMÓRIA BUNGE
O porto da cidade do Rio de Janeiro, o viaduto da Perimetral e a Ponte Rio-Niterói ao fundo, em 1986. ACERVO CENTRO DE MEMÓRIA BUNGE

A Operação Urbana Consorciada (OUC) da região portuária do Rio de Janeiro, que ficou conhecida como Porto Maravilha, foi instituída pela Lei Municipal 101, de 2009, para dar sustentação às propostas de revitalização econômica e social da área. Para isso, foi estabelecida a Área de Especial Interesse Urbanístico (AEIU) da Região Portuária do Rio de Janeiro, com cerca de 5 milhões de metros quadrados, tendo como limites as avenidas Rodrigues Alves, Francisco Bicalho, Presidente Vargas e Rio Branco, englobando os bairros da Saúde, Gamboa, Santo Cristo e parte dos bairros do Caju e do Centro da cidade.

A OUC é um instrumento que permite ao poder público, em parceria com a iniciativa privada, realizar transformações urbanísticas estruturais, envolvendo melhorias sociais, econômicas, espaciais e ambientais. Este era um instrumento até então pouco utilizado em políticas urbanas no Brasil, sendo mais conhecidas na ocasião as operações levadas a efeito em Água Espraiada e na Avenida Faria Lima em São Paulo. A operação do porto carioca envolvia recursos na ordem de R$ 8 bilhões à época, geridos pela Caixa Econômica Federal e com um prazo de execução de trinta anos.

O braço operacional desta audaciosa intervenção urbana consistia em uma parceria público-privada, executada pelo Consórcio Porto Novo e supervisionada pela Companhia de Desenvolvimento Urbano da Região do Porto do Rio de Janeiro (CDURP). Os recursos financeiros viriam da venda de Certificados de Potencial Adicional de Construção (CEPACs), em função do acréscimo de área edificada nos lotes.

A lei ainda previu a manutenção da Área de Proteção do Ambiente Cultural do Projeto SAGAS, criou incentivos à convivência entre edificações novas e antigas no mesmo lote, vinculou um percentual de 3% para investimento em patrimônio cultural e estabeleceu parâmetros de uso e ocupação do solo, com destaque para a compra de CEPACs nos lotes na eventualidade de os empreendimentos imobiliários ultrapassarem a área dos lotes para atingirem os gabaritos previstos na área que, segundo a Lei, podem alcançar vinte a cinquenta pavimentos, dependendo do setor onde se encontrem.

Além do mais, o programa básico da OUC da região portuária consistia em preservar a identidade e as características da região, reurbanizar as vias existentes e criar novas, recuperar e ampliar a infraestrutura local, implantar sistema de circulação de veículo leve sobre trilhos (VLT) de forma a integrar os bairros portuários ao Centro do Rio, recuperar e valorizar o patrimônio cultural, construir mobiliário urbano e redes de ciclovias e estimular o uso residencial na região.

Embora o projeto não tenha cumprido muitos de seus objetivos, como o de trazer novos empreendimentos residenciais para a área, alavancar significativamente a vida de seus moradores e recuperar integralmente seu rico patrimônio cultural, pode-se afirmar que a operação deixou um legado favorável.

Implosão de parte da Perimetral, na altura da Praça XV. Foto de Custódio Coimbra, 2014. ACERVO AGÊNCIA O GLOBOVista área do Moinho Fluminense nos dias de hoje, sem a Perimetral, e com o Boulevard Olímpico. Foto de Mauricio Hora, 2021.
I. Implosão de parte da Perimetral, na altura da Praça XV. Foto de Custódio Coimbra, 2014. ACERVO AGÊNCIA O GLOBO
II. Vista área do Moinho Fluminense nos dias de hoje, sem a Perimetral, e com o Boulevard Olímpico. Foto de Mauricio Hora, 2021.


Alguns ganhos merecem ser destacados, como os investimentos na reabilitação de importantes exemplares do patrimônio cultural, a construção de novos prédios de escritórios, equipamentos culturais, a derrubada da Avenida Perimetral (em 2016), a articulação litorânea entre a Praça XV e a Praça Mauá, o incremento da vida noturna e do turismo, e a valorização da orla marítima da Baía de Guanabara, antes inacessível e prejudicial à paisagem daquele espaço importante da cidade, até então pouco usufruído após a decadência das atividades portuárias.  [III]

É inegável que a área respondeu positivamente a grande parte dos investimentos. Exemplos disso foram a urbanização da orla da baía desde a Praça Mauá até a Praça XV e a restauração do Jardim Suspenso do Valongo, além da construção do Instituto dos Pretos Novos, do Museu do Amanhã (1 milhão de frequentadores/ano, projeto do arquiteto Santiago Calatrava) e do Museu de Arte do Rio (350 mil visitantes/ano, projeto de Bernardes + Jacobsen Arquitetos). Houve ainda a implantação de 28 km de modernas linhas de VLT, ligando a área a vários pontos do Centro e terminais de transporte, a descoberta de sítios arqueológicos inestimáveis, como o do Valongo (Patrimônio da Humanidade) e a restauração de edifícios históricos, como o da Igreja de São Francisco da Prainha. Foi construído o Aquário do Rio (1 milhão de visitantes/ano, obra do arquiteto Alcides Horácio de Azevedo) e recuperados seis dos dezoito armazéns do Cais da Gamboa, destinados a abrigar eventos culturais e turísticos, além da construção de modernas torres comerciais e da urbanização de toda a área e suas redes de infraestrutura.

Vale ressaltar as iniciativas pioneiras, sociais e culturais, do Galpão Aplauso, com 11 mil jovens formados a partir do binômio cultura/trabalho há pouco mais de uma década. Do galpão Spectaculu e da antiga fábrica de chocolates Bhering, onde oitenta ateliês de arte, design, moda e gastronomia se distribuem por cinco andares.

Todas essas iniciativas buscaram se abrigar em estruturas antigas recicladas no bairro do Santo Cristo e são alguns dos responsáveis pela manutenção da vitalidade da área há vários anos. Outros novos empreendedores, com pequenas ou grandes ações, chegam aos bairros portuários dispostos a desfrutar seus encantos e inovar os espaços com seus escritórios, seus pequenos restaurantes, galerias de arte e novas lojas. É um longo caminho trilhado. Com muito ainda a ser percorrido e conquistado.

São Paulo, 26 de outubro de 2016: A Bunge Brasil, uma das maiores empresas de alimentos e agronegócio do país, anuncia que o novo Moinho Fluminense, localizado em Duque de Caxias, no Rio de Janeiro, está entrando em operação. Com investimentos de R$ 500 milhões, a empresa construiu em dois anos uma unidade greenfield, totalmente automatizada, utilizando tecnologia de ponta (...). Projetado para ser o mais moderno da América Latina.52

[III]
O Moinho Fluminense foi adquirido pela Autonomy Investimentos em agosto de 2019. O imóvel, que até então pertencia à Bunge, foi desativado em 2016 foi desativado em 2016 e está sendo reformado para tornar-se um destino contemporâneo de negócios, comércio e experiências culturais.


Registos do Museu do Amanhã. Foto de Mauricio Hora, 2021.
Registos do Museu do Amanhã. Foto de Mauricio Hora, 2021.Praça Mauá nos dias de hoje, com destaque para o Museu de Arte do Rio (MAR). Foto de Mauricio Hora, 2021.
I e II. Registos do Museu do Amanhã. Foto de Mauricio Hora, 2021.
III. Praça Mauá nos dias de hoje, com destaque para o Museu de Arte do Rio (MAR). Foto de Mauricio Hora, 2021.


52. Histórico do Moinho Fluminense. Centro de Memória Bunge, São Paulo.