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Augusto Ivan de Freitas Pinheiro e Eliane Canedo
Pesquisa e colaboração: Cristiane Titoneli


As grandes reformas


Avenida Central na altura da Rua do Ouvidor, com Rua Miguel Couto, Centro – Rio de Janeiro. Foto de Marc Ferrez, 1906. COLEÇÃO GILBERTO FERREZ. ACERVO INSTITUTO MOREIRA SALLES
Avenida Central na altura da Rua do Ouvidor, com Rua Miguel Couto, Centro – Rio de Janeiro. Foto de Marc Ferrez, 1906. COLEÇÃO GILBERTO FERREZ. ACERVO INSTITUTO MOREIRA SALLES

No final do século XIX, embora a cidade já contasse com vários outros bairros, a chamada “Cidade Velha” e seu porto vizinho permaneciam como as regiões de maior aglomeração. Ali coexistiam escritórios, lojas, depósitos, oficinas, trapiches, moradias em sobrado e em casas térreas, cortiços, estalagens e velhos casarões divididos para acomodar inúmeras famílias. O adensamento populacional, a falta de higiene, a incipiente estrutura de saneamento e as ruas estreitas, que bloqueavam a passagem do ar, tornavam a área foco de epidemias anuais. Era necessário, como propunham os higienistas da época, restaurar a saúde do “organismo” urbano.29

É dessa época o segundo Plano Urbanístico do Rio de Janeiro, elaborado pela Comissão de Melhoramentos em 1874. O primeiro, de 1843, executado pelo engenheiro Beaurepaire-Rohan, ficou no campo das ideias. Mais tarde, Francisco Pereira Passos, que foi prefeito da cidade entre 1903 e 1908, e que também integrara a referida Comissão, elegeria, como principal medida do seu governo, o saneamento básico da cidade, com a sua remodelação arquitetônica através da abertura de vias duplas e arejadas.

A República já havia sido proclamada, mas na cidade ainda ecoavam vozes dissonantes ao aguardo do melhor momento para intentar o retorno ao antigo regime. Quando Marechal Deodoro, após o fracasso nas negociações com as bancadas dos estados produtores de café, decidiu fechar o Congresso Nacional em 1891, unidades da Armada na Baía de Guanabara se sublevaram e ameaçaram bombardear a capital, forçando a renúncia do presidente, temeroso da instauração de uma guerra civil.

Abafado apenas momentaneamente, o motim se reacenderia cerca de dois anos depois quando altos oficiais da Marinha exigiram imediata convocação de eleições e, a partir de 13 de setembro de 1893, promoveram intensa troca de tiros e bombardeios aos fortes em poder do Exército. Com sete fortes bombardeados, Niterói deixou de ser, temporariamente, a capital do estado do Rio de Janeiro, transferindo-se o governo para a cidade de Petrópolis, salva do alcance dos canhões da Marinha. Sem apoio popular e fracassada a tomada da capital federal, os revoltosos marcharam em direção ao sul do país.

O moinho foi testemunha de cenas importantes e curiosas da História do Brasil. Uma delas envolveu Rui Barbosa, que fugiu de oficiais da Marinha que cercavam a região durante a Revolta da Armada, em 1893. Amigo do uruguaio Carlos Gianelli, um dos fundadores do Moinho Fluminense, Rui Barbosa buscou abrigo no complexo industrial, segundo informações do Centro de Memória Bunge e da ficha cadastral do imóvel arquivada na Prefeitura. Tropas da polícia portuária ocuparam os prédios do moinho, que foram atingidos por tiros dos rebelados contra o governo de Floriano Peixoto. Funcionários foram baleados, e a produção ficou prejudicada.30

O ritmo do bonde era o ritmo da época nos anos 1910. ACERVO MIS – MUSEU DA IMAGEM E DO SOM/CENTRO DE MEMÓRIA BUNGE
O ritmo do bonde era o ritmo da época nos anos 1910. ACERVO MIS – MUSEU DA IMAGEM E DO SOM/CENTRO DE MEMÓRIA BUNGE

Encerrava-se o século XIX e, com ele, um tradicional tipo de vida chegava ao fim. O Brasil republicano surgia em meio a grandes reformas políticas, administrativas, urbanas e sociais. A cidade do Rio de Janeiro chegava a 522.651 habitantes, dez vezes mais do que havia começado naquele mesmo século. E certamente muito diversa. O regime mudou de monarquia para república, a economia mudou com a chegada do café como primeiro produto exportador do Brasil, os hábitos mudaram com as famílias indo passear e comprar na nova área central reformulada ao gosto europeu, e não mais português. O Centro se firmou como o polo de negócios.

Os bairros residenciais se espicharam para a Zonal Sul acompanhando a linha das praias oceânicas. A Zona Norte se expandiu, contornando o maciço da Tijuca, abrigando população mais afluente, e para o subúrbio, com as camadas mais populares, acompanhando as novas linhas férreas de trem, que começaram a funcionar a partir de 1858, e de bonde elétrico, a partir dos anos 1868, indo da Rua do Ouvidor, famosa então por suas livrarias, cafés e lojas de modas, ao Largo do Machado.

Os primeiros anos do século XX foram os das grandes reformas, chamadas pelos estudiosos de haussmanianas,31 levadas a cabo pelo prefeito Francisco Pereira Passos e auxiliares como Lauro Müller e Paulo de Frontin, e com a participação do médico sanitarista Oswaldo Cruz no que dizia respeito às questões de saúde pública e ao tratamento e à vacinação no combate contra a varíola e a febre amarela. 

O Plano de Saneamento e Embelezamento do Centro da Cidade do Rio de Janeiro promoveu, de 1903 a 1906, a maior transformação que a cidade sofreu em toda sua história. As reformas do prefeito que ficou conhecido como Bota Abaixo se deram principalmente nas vias do Centro, cujo símbolo foi a Avenida Central (hoje Rio Branco). Cerca de quinhentos sobrados coloniais foram abaixo e becos e vielas foram substituídos por avenidas mais largas e mais arejadas, para espantar o medo dos miasmas que assombravam o velho burgo colonial e que tanto atormentaram a vida da cidade. Centenas de árvores foram plantadas e até pardais foram importados da Europa para, segundo se dizia, encherem de trinados as ruas do Centro. Uma nova arquitetura também se impôs, vinda da velha Academia de Belas Artes, ecoando o estilo já francamente adotado como padrão pelos europeus – o ecletismo, ou estilo romântico, segundo alguns.

Rua da Gamboa com Rua do Livramento nos anos 1920. Foto de Augusto Malta. acervo museu histórico da cidade do rio de janeiro
Rua da Gamboa com Rua do Livramento nos anos 1920. Foto de Augusto Malta. acervo museu histórico da cidade do rio de janeiro


29. BENCHIMOL, Jaime L. Reforma urbana e Revolta da Vacina na cidade do Rio de Janeiro. In: FERREIRA, J.; DELGADO, L. de A. N. (Org.). O Brasil republicano: da Proclamação da República à Revolução de 1930. 1. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003. p. 236.
30. TABAK, Flávio. Aberto desde 1887, Moinho Fluminense vai virar centro comercial em 2016. O Globo, 25 fev. 2014. Disponível em: . Acesso em: mar. 2021
31. BENCHIMOL, Jayme L. Um Haussmann tropical. Rio de Janeiro: Biblioteca Carioca, 1990.