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Maria Pace Chiavari


O Centro do Rio de Janeiro: seu patrimônio cultural, paisagístico e ambiental 


A região do Moinho Fluminense, 1913. ACERVO CENTRO DE MEMÓRIA BUNGE
A região do Moinho Fluminense, 1913. ACERVO CENTRO DE MEMÓRIA BUNGE

Lembranças da área urbana, onde surge a edificação do Moinho Fluminense, transmitem a impressão de lugar aprazível. Refletem essa sensação visões de fotógrafos, como Marc Ferrez em Prainha e Saúde, e descrições de escritores, como Machado de Assis. Este se vale de Rubião, personagem do romance Quincas Borba, lançado em 1891, para resumir suas impressões sobre a área da Gamboa à Saúde: “Dei uma caminhada grande, mas sim senhor, isso aqui é bonito, é curioso, (...) diferente dos outros bairros. Gosto disso. Hei de vir mais vezes.”5

Para que a natural apreciação desse lugar chegasse a ter seu reconhecimento oficial, e a área pertencente ao Centro do Rio de Janeiro fosse considerada como bem histórico, foi preciso esperar até a prefeitura de Marcelo Alencar. Graças ao projeto Corredor Cultural, volta-se à valorização e ao resgate de um patrimônio abandonado, através da Lei 506, de 17/01/1984. Tal instrumento, dois anos depois, aplica-se à nova área de proteção ambiental, que abrange os bairros Saúde, Gamboa e Santo Cristo. Trata-se do projeto de preservação SAGAS (Saúde, Gamboa, Santo Cristo), desenvolvido, em 1985, pela Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro. Por localizar-se na Gamboa, o Moinho Fluminense é, então, beneficiado. Além da localização, o reconhecimento do valor arquitetônico industrial das partes mais antigas do estabelecimento de moagem de farinha permite sua integração ao patrimônio industrial e cultural da cidade do Rio de Janeiro. Por pertencer a tal patrimônio, o Moinho Fluminense adquire valor histórico, arquitetônico, tecnológico, científico e social.6

Em 1985, o projeto de proteção ao patrimônio do Escritório Técnico SAGAS, desenvolvido pela Prefeitura do Rio de Janeiro, contribuiu para o tombamento de mais 23 edificações na região. O Moinho Fluminense foi um dos bens preservados pelo Decreto n° 6057/86. ACERVO CENTRO DE MEMÓRIA BUNGE
Em 1985, o projeto de proteção ao patrimônio do Escritório Técnico SAGAS, desenvolvido pela Prefeitura do Rio de Janeiro, contribuiu para o tombamento de mais 23 edificações na região. O Moinho Fluminense foi um dos bens preservados pelo Decreto n° 6057/86. ACERVO CENTRO DE MEMÓRIA BUNGE

Hoje, o observador-turista que se defronta com a construção do Moinho Fluminense, uma vez que o próprio moinho cessou suas operações, fica impressionado com a articulação e o volume de sua ampla construção. O título de patrimônio industrial atribuído a tal conjunto arquitetônico chama atenção também para a sua dimensão estética. Isso quer dizer que o olhar que procura a beleza do Moinho Fluminense a encontra nas fachadas marcadas pelo uso de diversos materiais e estilos arquitetônicos, nos detalhes decorativos, na escolha dos elementos estruturais, assim como nas relações volumétricas e arquitetônicas que foram se criando pelas sucessivas adições de pavilhões em diferentes escalas.

Por meio da leitura da edificação existente, é possível reconstruir sua genealogia. As formas assumidas pelo conjunto ao longo das sucessivas reformas revelam as especificidades de cada época. Fornecem importante auxílio, nesse árduo caminho de reconstituição, os numerosos documentos, textuais e iconográficos, presentes em diferentes arquivos. Entre esses, os respectivos projetos arquitetônicos e as numerosas fotografias permitem, além de visualizar a evolução do próprio estabelecimento, identificar os códigos da então estética industrial, como os tipos arquitetônicos de sua referência.

Além do valor histórico e simbólico, como objeto-monumento, o Moinho Fluminense, graças à sua localização, contribui para definir a atual identidade cultural, e não apenas estética, dessa parte da cidade. Tais condições favoráveis são promissoras para a participação do Moinho Fluminense no planejado processo de requalificação da área histórica relacionada ao porto do Rio de Janeiro.


5. ASSIS, Machado de. Quincas Borba. In: Obras completas. Rio de Janeiro: Editora Nova Aguilar, 2015.
6. BATTISTI, Eugenio. Archeologia Industrial, Arquitettura, Lavoro, Tecnologia, Economia e la vera Rivoluzione Industriale. Milão: Jaca, 2001.