Maria Pace Chiavari
Do pão da terra ao pão de trigo
“Sem farinha, homem não vive”, afirma Luís da Câmara Cascudo ao tratar da história da alimentação no Brasil.7 A farinha mencionada é a de mandioca, base da alimentação indígena. Com ela, era possível confeccionar o denominado “pão da terra”, em grande uso entre os brasileiros.8 Esse hábito, entretanto, não satisfazia o paladar de todos.9 Assim, o plantio de trigo no Brasil era desejado, principalmente pelos imigrantes europeus. Para eles, a reconstituição dos hábitos alimentares da terra de origem se punha como condição fundamental para manterem a própria identidade cultural no novo país.
Relatórios redigidos pelos vice-reis Marquês do Lavradio e D. Luís de Vasconcelos, na segunda metade do século XVIII, mencionam a possibilidade de produzir o trigo no sul da colônia devido ao clima mais favorável ao cultivo.10 Entretanto, pelo alto teor de umidade do clima tropical, os primeiros resultados desse plantio demoraram muito a aparecer.
A transferência da corte portuguesa para o Rio de Janeiro, em 1808, foi o evento histórico que mais causou mudanças nos costumes dos brasileiros. Pouco depois da chegada da família real, entre as normas estabelecidas para a cidade se adaptar aos hábitos europeus, estava a confecção do pão de farinha de trigo. Não foi fácil, para o reduzido número de padeiros estabelecidos na capital, satisfazer os gostos da corte e de seu entourage. A solução foi recorrer à farinha de trigo importada. Na qualidade de produto de luxo, o pão de trigo faz, finalmente, sua entrada oficial nas elegantes mesas dos brasileiros!
A produção do pão de farinha de trigo serviu de espelho para o país assumir consciência do seu nível de desenvolvimento e, ao mesmo tempo, de incentivo capaz de estimular o Brasil a se modernizar e entrar no processo de industrialização. Do outro lado do Atlântico,11 nessa mesma época, aconteciam grandes inovações no setor da moagem. [III]
Graças às novas tecnologias, as modernas máquinas permitem diminuir o tempo de produção e aumentar, em proporção, a quantidade de farinha obtida. A introdução desse novo sistema no Brasil possibilita que o preço pago pela importação do trigo seja logo compensado. Na escolha da localização mais apta para implantar tal moderno processo de industrialização, é dada prioridade ao Rio de Janeiro, devido às favoráveis condições econômicas e políticas oferecidas pela cidade. A imagem simbólica que assinala a importante passagem enfrentada pelo país é a do pão de trigo, que, em poucos anos, passa a fazer parte da mesa dos brasileiros como “o pão de todos os dias”.
[III]
A máquina a vapor
A revolução decisiva na história dos moinhos para cerais é baseada num sistema automatizado concebido pelo americano Oliver Evans na década de 1780, e aperfeiçoado no Reino Unido, onde é então utilizado o vapor como força motora. Pelo novo sistema acionado pelas máquinas a vapor, obtém-se um extraordinário aumento na produção de farinha.