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Augusto Ivan de Freitas Pinheiro e Eliane Canedo
Pesquisa e colaboração: Cristiane Titoneli


Portos abertos


Porto na Praça XV, visto do mar. William Smith, 1832. ACERVO CASA GEYER/MUSEU IMPERIAL/IBRAM
Porto na Praça XV, visto do mar. William Smith, 1832. ACERVO CASA GEYER/MUSEU IMPERIAL/IBRAM

Uma nova fase se abriria para o antigo entreposto estreitamente vigiado e severamente controlado pela Coroa portuguesa.

Elevada (em 1763) a sede do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves, a Muy Leal e Heroica Cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro teria, com a chegada da corte, seus portos abertos às nações amigas, suas prateleiras enobrecidas com os preciosos livros da Biblioteca Real Portuguesa, sua economia amplificada pela criação do Banco do Brasil, sua rede de comunicação enriquecida pela presença da Imprensa Régia, sua ciência valorizada pelo Real Jardim Botânico, seu poderio bélico ampliado pela inauguração da fábrica de pólvora e, mais tarde, suas instituições de ensino enriquecidas pelas Reais Academias Militar (1810) e de Belas Artes (1816).

O impacto na cidade foi imenso. Segundo estimativa de Luccock,23 a cidade contava em 1815 com cerca de 80 mil habitantes, sendo 16 mil estrangeiros. Entre as diversas classes, relacionadas pelo comerciante e escritor de acordo com as profissões, havia setecentos padres, quinhentos advogados, duzentos que praticavam medicina e 12 mil escravizados.

Além do efeito imediato nas vidas privadas dos cariocas, parte obrigada a ceder suas casas para abrigar os nobres portugueses, a cidade cresceu em direção a todas as áreas vizinhas ao sítio urbano original, mesmo aquelas afetadas pelas más condições de habitação devido à presença de lagoas, manguezais e áreas alagadiças, além das encostas dos pequenos morros próximos ao Centro.

Lentamente, a região da Saúde, incorporada às da Gamboa, do Santo Cristo e de São Diogo (esta ainda muito afastada e erma), foi sendo inserida na malha urbanizada, atraindo moradores para suas encostas e multiplicando seus trapiches ao longo das pequenas praias e enseadas. Segundo Abreu,24 a primeira notícia que se tem de um trapiche de pesagem e embarque de açúcar no Rio de Janeiro data de 1612.

O terreno onde se instalou, localizado junto do outeiro de São Sebastião (Morro do Castelo), perto da ermida de São José, havia sido aforado pela municipalidade de forma exclusiva para Aleixo Manoel, dono daquelas terras ao longo da praia. Caberia a ele erguer, à sua custa, o “paço de ver o peso”. Apesar do pomposo título, não se tratava de um palácio, mas de um rústico galpão – onde era cobrada uma taxa pela pesagem e pelo transporte de cada mercadoria colocada nas embarcações.

Os trapiches, na realidade, eram precárias construções de madeira que ligavam as embarcações ao cais, constando de um galpão fechado para armazenagem e pesagem e um píer que se estendia água adentro até poder ser acessado por navios de maior calado.

A região portuária foi se deslocando do antigo porto do Largo do Paço e se estabelecendo nos bairros da Saúde a São Diogo, com suas atividades de embarque e desembarque de mercadorias, tanto as produzidas no país quanto as que chegavam da Europa. Dentre elas se destacava o café, o chamado ouro negro do Brasil. Com a nova riqueza, cresciam também as demandas de estocagem. Juntamente com ela, aportavam nos píeres improvisados sobre as águas da Baía de Guanabara imensas estruturas de ferro vindas principalmente da Inglaterra, já muito adentrada na dinâmica da Revolução Industrial.



23. BARRA, Sérgio Hamilton da Silva. 1º Colóquio Internacional História Cultural da Cidade, 2015.
24. ABREU, Mauricio de Almeida. Geografia histórica do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Editora Andrea Jakobsson Estúdios, 2010. p. 381.