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Maria Pace Chiavari


Os primórdios da industrialização


Projeto de maquinário para o Moinho Fluminense da Firma Thomson Robinson & Sun, 1887. ACERVO CENTRO DE MEMÓRIA BUNGE .
Projeto de maquinário para o Moinho Fluminense da Firma Thomson Robinson & Son, 1887. ACERVO CENTRO DE MEMÓRIA BUNGE .

No Brasil, o primeiro surto industrial se dá entre 1880 e 1890. O Rio de Janeiro, capital e primeira cidade do país, com quase meio milhão de habitantes, se apresenta como berço ideal para o novo processo. Além de sede da corte, a cidade é favorecida pela peculiar posição geográfica, graças ao seu porto natural, entre os mais importantes do Atlântico Sul. Do ponto de vista financeiro e comercial, a acumulação de capital decorrente da cafeicultura ou dos negócios de comércio exterior e a facilidade de financiamento pelos grandes bancos, cujas sedes se localizam na cidade, se juntam à disponibilidade de mão de obra proveniente da imigração interna e externa ao país. No que concerne ao mercado de consumo, devido à presença da rede ferroviária, é possível abranger, além da capital, a região servida pela linha férrea. Outro fator de extrema importância para o funcionamento da moderna indústria é a presença da energia a motor em substituição à água.1 São comuns novos estabelecimentos nas proximidades das fontes de energia.

Assim, em poucos anos, fábricas, moinhos, máquinas a vapor e estradas de ferro espalharam-se por diferentes áreas, introduzindo, no tecido urbano de marco colonial, uma nova escala de grandeza. Enquanto as indústrias de tecelagem privilegiavam áreas próximas a fontes de água, como os bairros Laranjeiras, Jardim Botânico e Bangu, o Centro, área de negócios, foi priorizado por oficinas, gráficas, metalúrgicas, fundições e indústria alimentar.2 Dessa última categoria, faz parte o Moinho Fluminense.

Hoje, mais de cem anos depois, caminhadas pelo Centro revelam o tecido urbano como uma colcha de retalhos, onde espaços e construções de diferentes épocas se articulam e se sobrepõem, como pegadas de eventos marcando sua trajetória na cidade. No interior desse verdadeiro quebra-cabeça urbano, o Moinho Fluminense ocupa um “lugar de memória”.3 Justificam tal título as numerosas lembranças por ele trazidas, desde o início de sua construção, em 1877. No Brasil, porém, como na Europa, costuma ser tardia a atribuição de valor histórico a edificações da primeira fase da Revolução Industrial.

Uma vez terminadas as grandes obras de reconstrução do período pós-bélico na década de 1950, manifesta-se, na Inglaterra, o interesse em recuperar e conservar os restos da primeira Revolução Industrial ocorrida naquele país dois séculos antes. Descobrir e discutir o próprio passado se torna uma forma de valorizá-lo. No âmbito do patrimônio cultural, abre-se, então, um novo setor de interesse cuja disciplina é denominada Arqueologia Industrial.4  [I]

Já no Brasil, o primeiro tombamento de um bem cultural relacionado à cultura industrial foi realizado em 1964.  [II]

Casos de reestruturação de arquiteturas industriais se encontram no Rio de Janeiro. São exemplos disso a antiga fábrica de tecidos Nova América, em Del Castilho, desativada em 1991 e cujo shopping homônimo foi inaugurado em 1995, e a Fábrica Bhering, no bairro de Santo Cristo, transformada, em 2010, em polo de arte e cultura. 


[I]
Arqueologia industrial

A expressão “arqueologia industrial”, surgida na Inglaterra na década de 1950, pretendia chamar atenção para a conservação dos “monumentos industriais”, que, em 1959, o Council for British Archaeology definiu como “patrimônio industrial”.

Trata-se do estudo das construções ou de estruturas fixas de outro tipo que ilustrem os vestígios da cultura industrial, assim como o surgimento e o desenvolvimento dos processos produtivos.

[II]
Reconhecimento no Brasil do Patrimônio Industrial como Patrimônio Cultural

A noção de “patrimônio industrial” foi incorporada ao estatuto do IPHAN a partir do artigo 1º da Carta Internacional de Veneza sobre Conservação e Restauro dos Monumentos (1964).

O primeiro tombamento de um bem cultural relacionado à cultura industrial foi realizado, no Brasil, pelo IPHAN, em 1964. Trata-se da Real Fábrica de Ferro São João de Ipanema, em Iperó, SP, primeiro complexo de exploração e fabricação de ferro no Brasil.


Sassores (purificadores). Foto de M. Rosenfeld, 1936. ACERVO CENTRO DE MEMÓRIA BUNGE .Misturadeira rápida com rosca duplo efeito. Desenho técnico, 1897. ACERVO CENTRO MEMÓRIA BUNGE
I. Sassores (purificadores). Foto de M. Rosenfeld, 1936. ACERVO CENTRO DE MEMÓRIA BUNGE .
II. Misturadeira rápida com rosca duplo efeito. Desenho técnico, 1897. ACERVO CENTRO MEMÓRIA BUNGE


1. ALBUQUERQUE, Antônio Luiz Porto C. Indústria no Brasil e no Rio de Janeiro: século XIX. In: HELBRON, Júlio; BARBOSA, Elmer Corrêa (Org.). 180 Anos da Indústria Brasileira: de 1827 ao século XXI. Rio de Janeiro: Ediouro, 2007. p. 58-81.
2. ABREU, Mauricio de Almeida. Evolução urbana do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: IPLANRIO/Zahar, 1987. p. 54-55.
3. NORA, Pierre. Les lieux de la memoire. Paris: Gallimard, 1984
4. FOLEY, Vincent P. On the meaning of industrial archaeology. Historical Archaeology, n. 2, 1968. p. 66-68.