Maria Pace Chiavari
Os primórdios da industrialização
No Brasil, o primeiro surto industrial se dá entre 1880 e 1890. O Rio de Janeiro, capital e primeira cidade do país, com quase meio milhão de habitantes, se apresenta como berço ideal para o novo processo. Além de sede da corte, a cidade é favorecida pela peculiar posição geográfica, graças ao seu porto natural, entre os mais importantes do Atlântico Sul. Do ponto de vista financeiro e comercial, a acumulação de capital decorrente da cafeicultura ou dos negócios de comércio exterior e a facilidade de financiamento pelos grandes bancos, cujas sedes se localizam na cidade, se juntam à disponibilidade de mão de obra proveniente da imigração interna e externa ao país. No que concerne ao mercado de consumo, devido à presença da rede ferroviária, é possível abranger, além da capital, a região servida pela linha férrea. Outro fator de extrema importância para o funcionamento da moderna indústria é a presença da energia a motor em substituição à água.1 São comuns novos estabelecimentos nas proximidades das fontes de energia.
Assim, em poucos anos, fábricas, moinhos, máquinas a vapor e estradas de ferro espalharam-se por diferentes áreas, introduzindo, no tecido urbano de marco colonial, uma nova escala de grandeza. Enquanto as indústrias de tecelagem privilegiavam áreas próximas a fontes de água, como os bairros Laranjeiras, Jardim Botânico e Bangu, o Centro, área de negócios, foi priorizado por oficinas, gráficas, metalúrgicas, fundições e indústria alimentar.2 Dessa última categoria, faz parte o Moinho Fluminense.
Hoje, mais de cem anos depois, caminhadas pelo Centro revelam o tecido urbano como uma colcha de retalhos, onde espaços e construções de diferentes épocas se articulam e se sobrepõem, como pegadas de eventos marcando sua trajetória na cidade. No interior desse verdadeiro quebra-cabeça urbano, o Moinho Fluminense ocupa um “lugar de memória”.3 Justificam tal título as numerosas lembranças por ele trazidas, desde o início de sua construção, em 1877. No Brasil, porém, como na Europa, costuma ser tardia a atribuição de valor histórico a edificações da primeira fase da Revolução Industrial.
Uma vez terminadas as grandes obras de reconstrução do período pós-bélico na década de 1950, manifesta-se, na Inglaterra, o interesse em recuperar e conservar os restos da primeira Revolução Industrial ocorrida naquele país dois séculos antes. Descobrir e discutir o próprio passado se torna uma forma de valorizá-lo. No âmbito do patrimônio cultural, abre-se, então, um novo setor de interesse cuja disciplina é denominada Arqueologia Industrial.4 [I]
Já no Brasil, o primeiro tombamento de um bem cultural relacionado à cultura industrial foi realizado em 1964. [II]
Casos de reestruturação de arquiteturas industriais se encontram no Rio de Janeiro. São exemplos disso a antiga fábrica de tecidos Nova América, em Del Castilho, desativada em 1991 e cujo shopping homônimo foi inaugurado em 1995, e a Fábrica Bhering, no bairro de Santo Cristo, transformada, em 2010, em polo de arte e cultura.
[I]
Arqueologia industrial
A expressão “arqueologia industrial”, surgida na Inglaterra na década de 1950, pretendia chamar atenção para a conservação dos “monumentos industriais”, que, em 1959, o Council for British Archaeology definiu como “patrimônio industrial”.
Trata-se do estudo das construções ou de estruturas fixas de outro tipo que ilustrem os vestígios da cultura industrial, assim como o surgimento e o desenvolvimento dos processos produtivos.
[II]
Reconhecimento no Brasil do Patrimônio Industrial como Patrimônio Cultural
A noção de “patrimônio industrial” foi incorporada ao estatuto do IPHAN a partir do artigo 1º da Carta Internacional de Veneza sobre Conservação e Restauro dos Monumentos (1964).
O primeiro tombamento de um bem cultural relacionado à cultura industrial foi realizado, no Brasil, pelo IPHAN, em 1964. Trata-se da Real Fábrica de Ferro São João de Ipanema, em Iperó, SP, primeiro complexo de exploração e fabricação de ferro no Brasil.