Augusto Ivan de Freitas Pinheiro e Eliane Canedo
Pesquisa e colaboração: Cristiane Titoneli
Uma revolução nos espaços e nos costumes
Em 1904, o Rio de Janeiro, então capital federal da jovem República, vivenciava o segundo ano da gestão Pereira Passos e passava por uma profunda transformação, que alteraria a sua fisionomia e estrutura, repercutindo de forma drástica nas condições de vida da população, principalmente na região central, considerada o nó górdio da renovação pretendida.
Com os melhoramentos realizados pelo governo, a região se valorizara e era necessário remover o que se considerava resquício do período colonial: o que era velho e sujo deveria ceder espaço para o moderno e ordenado. O cartão-postal lentamente gestado se completava, e mostrava uma cidade de aparência moderna e civilizada, cujo objetivo era atrair capital estrangeiro para investir no país.
A cidade foi tomada por inúmeras construções e reconstruções, todas dirigidas ao saneamento e embelezamento. No curso do “bota abaixo”, pessoas eram retiradas de suas residências, estabelecimentos comerciais eram removidos e prédios demolidos. A camada mais pobre era a mais atingida.
Além de ter sido onerada pela criação de vários impostos/taxas para custear o empréstimo realizado para a realização dos melhoramentos na cidade, entendeu por bem o prefeito intervir nos espaços e atividades ocupados pelos mais pobres, proibindo a venda de vísceras de animais em tabuleiros e a ordenha em vias públicas.
Também foram interditadas a criação de aves e suínos, e a manutenção de hortas, estábulos e capinzais, além de serem efetuados o recolhimento e o extermínio de cães. Não era permitido urinar, cuspir, soltar pipas, balões ou estourar fogos de artifícios nas vias públicas. No Centro, todos eram obrigados a portar chapéu e sapatos.
No campo da saúde, o prefeito intensificou a fiscalização sanitária nas residências, vistoriando domicílios no Centro e na região portuária. Descoberta a origem da febre amarela, coube a Oswaldo Cruz, médico sanitarista, conduzir as campanhas e o extermínio dos focos da doença, valendo-se dos instrumentos legais de coação.
O início do século XX ficou marcado por novos padrões de comportamento, muitas obras para embelezar a cidade e a introdução de duras medidas sanitárias. No entanto, duas novidades surgidas naquele momento foram responsáveis pelo sopro de modernidade e dinamismo introduzido na cidade do Rio de Janeiro.
A primeira foi a inauguração do porto, remodelado e reequipado, cuja área resultou de um extenso aterro na Baía de Guanabara, tornando-se o mais moderno da América do Sul. Logo em seguida, entrou em funcionamento um sistema de distribuição de energia elétrica estável e segura, implantado pelo grupo canadense Light and Power Co, que, na ocasião, detinha o monopólio de todos os serviços urbanos.
Foram essencialmente esses investimentos que garantiram a intensificação da atividade fabril, que, por sua vez, estimulou o crescimento da população do Rio de Janeiro.
No início do século, começavam a desaparecer da área central as empresas de pequeno porte que produziam e vendiam seus produtos nas mesmas instalações.
A cidade, que agora se pretendia moderna, não mais comportava o padrão de unidade trabalho-moradia, em que era comum o hábito de permitir aos trabalhadores locais dormir no próprio estabelecimento comercial. Começaram então a se multiplicar empresas de médio e grande porte que buscavam se localizar nas zonas periféricas ao Centro (porém próximas à mão de obra e ao mercado consumidor), onde já havia infraestrutura básica instalada: energia, porto e estrada de ferro. O processo de industrialização do Brasil no início do século XX pode ser interpretado como uma forma peculiar de substituição das importações.
A economia ainda mantinha a predominância da monocultura para exportação e, por isso, era desprovida de matéria-prima diversificada para suprir diretamente as atividades fabris. Por consequência, a maioria das indústrias se viu obrigada a importá-las, dedicando-se a operar exclusivamente no acabamento final dos insumos que haviam importado.
Os industriais ficavam, por isso, à mercê de oscilações das políticas de governo e das variações cambiais. Apesar disso, muitos possuíam condições de subsistir aos reveses, pois conheciam os consumidores, controlavam os canais de distribuição, tinham acesso ao crédito e sabiam o que importar e como distribuir os bens produzidos. [I]
Esses estabelecimentos industriais de maior porte empregavam migrantes de várias partes do país e do exterior, que, gradativamente, se adaptavam a um novo modo de vida, com novos hábitos e padrões de consumo. Essa nova massa de trabalhadores assalariados urbanos formou um mercado estável, que aos poucos passou a ter relevante peso político no cenário nacional.
No entanto, as más condições da infraestrutura urbana e a precariedade das áreas habitacionais advindas da urbanização acelerada iriam marcar indelevelmente a paisagem física e social da cidade, que, em 1900, contava com 811.444 habitantes. Nos bairros operários, começaram a ser recorrentes turbulências e incidentes – sendo a Revolta da Vacina o mais notável de todos.
[I]
O Moinho Fluminense, instalado em um prédio projetado por Antonio Jannuzzi, um dos melhores arquitetos do Rio de Janeiro à época, é um dos primeiros moinhos industriais modernos do país. Seu maquinário vem importado da fábrica Thomas Robinson & Son, de Rochdale, Inglaterra. Sua produção não é comercializada diretamente com o grande público, sendo distribuída exclusivamente pela firma John Moore & Cia., com sede na Rua Candelária, nº 92, Centro do Rio de Janeiro.
(Histórico do Moinho Fluminense. Centro de Memória Bunge, São Paulo)