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Augusto Ivan de Freitas Pinheiro e Eliane Canedo
Pesquisa e colaboração: Cristiane Titoneli


Cidade dos engenhos


Aluá, limões doces e cana-de-açúcar. Jean-Baptiste Debret, 1826. ACERVOS DOS MUSEUS CASTRO MAYA/IBRAM
Aluá, limões doces e cana-de-açúcar. Jean-Baptiste Debret, 1826. ACERVOS DOS MUSEUS CASTRO MAYA/IBRAM

A partir de 1575, teve início o ciclo da cana-de-açúcar na capitania do Rio de Janeiro, que promoveu uma radical transformação de sua paisagem. Com o declínio do comércio do pau-brasil e dos subprodutos resultantes da caça à baleia, os colonizadores se dedicaram ao plantio da cana-de-açúcar, cuja exportação acenava como possibilidade de alta lucratividade.

Inicialmente, os portugueses instalaram suas fazendas e engenhos em terras até então ocupadas por indígenas, desmatando vales e meias encostas, que passaram a ser cobertos pela monocultura açucareira. Logo em seguida, porém, os canaviais passaram a se expandir, rapidamente, cobrindo os arredores do núcleo urbano, e também as planícies da Zona Oeste (Jacarepaguá, Campo Grande, Guaratiba e Santa Cruz), além das baixadas ao redor da Baía de Guanabara, inclusive na Ilha do Governador.

A atividade assumiu, em pouco tempo, um intenso dinamismo. Se, no final do século XVI, existiam apenas seis engenhos na capitania do Rio de Janeiro, um século depois já estavam instaladas, na região, 136 extensas fazendas de cana. No século XVIII, segundo estudo realizado pelo geógrafo Mauricio Abreu nos arquivos dos jesuítas no Vaticano, já existiam mais de 160 engenhos, entre eles o Engenho d’El Rei, pertencente à Coroa lusitana, situado à margem da Lagoa de Camambucaba, nome quinhentista da Lagoa Rodrigo de Freitas. Todos eles possuíam, além da casa-grande e das senzalas, inúmeras instalações necessárias ao beneficiamento e ao acondicionamento da produção. Especializados na agricultura de exportação, mantinham a produção de alimentos limitada às necessidades de subsistência local, enviando apenas excedentes para abastecimento do centro urbano.8

Era intensa e ruidosa a movimentação de pessoas, carruagens e carros de boi em torno desses núcleos, que, com o passar dos anos, transformaram-se em embriões de bairros cariocas que existem até os dias atuais, muitos deles mantendo nomes das fazendas que lhes deram origem, como Engenho de Dentro, Engenho Velho, Engenho Novo, Engenho da Rainha e da Tijuca.

Os engenhos transformavam a cana em “pães de açúcar”, porções de açúcar prensado no formato de um pão, que acabou dando origem ao nome do famoso acidente geográfico carioca conhecido hoje como Pão de Açúcar. Acondicionados em caixotes de 20 e 30 arrobas (de 300 a 450 kg), eram transportados até a zona portuária do Rio de Janeiro, de onde partiam os navios para a Europa. Logo, foi imperioso transformar as trilhas em vias transitáveis para garantir o rápido escoamento da produção. Além de importantes eixos integradores do território, todos eles levavam ao porto, naquela época situado na Praia de Manuel de Brito, entre o Morro de São Bento e o Morro do Castelo.

A rápida expansão do setor agroexportador na capitania do Rio de Janeiro fez com que grande parte do movimento portuário de São Vicente (SP) se deslocasse para a praça do Rio na virada do século XVI para o XVII, o que resultou em um intenso aumento da população urbana e, principalmente, em profundas mudanças na estrutura social e na configuração de seu núcleo urbano. A população crescera exponencialmente neste período. Com 12 mil habitantes em 1713, dobrou para 24.397 em 1740, atingindo 43.736 em 1799, sendo que, deste total, 14.986 eram escravos.

Os viajantes que aqui passavam nesta época deixaram registrados diversos comentários sobre a exuberante beleza natural, a grande luminosidade e tons, mas reclamavam do excessivo calor, dos cheiros desagradáveis e mostravam-se amedrontados pela enorme quantidade de negros nas ruas. Isto porque eram poucos os trabalhadores livres e extremamente reduzida a elite administrativa, militar e mercantil que dirigia a cidade política e economicamente.9

O pico da produção de açúcar ocorreu na década de 1630. Entre 1632 e 1642, partia, anualmente, do porto do Rio uma média de 20 a 25 caravelas abarrotadas de caixotes de açúcar. Chegava também ao porto outro valioso subproduto da cana: em 1778, contavam-se, na capitania do Rio, 176 engenhocas onde trabalhavam 1.752 escravos, que atingiam a produção anual de 2.477 pipas de aguardente, exportadas para a costa da África.

Logo, toda a zona próxima à orla onde ficavam os trapiches era animada por intensa atividade: ali chegavam não só as cargas vindas do interior, mas também a produção proveniente dos engenhos situados na zona ao norte da cidade e na Baixada (Fluminense) e ainda produtos alimentícios para abastecer a cidade do Rio de Janeiro fornecidos por pequenos produtores do fundo da baía.



8. ABREU, Mauricio de Almeida. Geografia histórica do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Editora Andrea Jakobsson Estúdios, 2010.
9. HONORATO, Claudio de Paula. Valongo: o mercado de escravos do Rio de Janeiro, 1758-1831. Universidade Federal Fluminense (UFF), Instituto de Ciências Humanas e Filosofia, 2008.