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Augusto Ivan de Freitas Pinheiro e Eliane Canedo
Pesquisa e colaboração: Cristiane Titoneli


Pão sim, tapioca não: a Europa nos trópicos


Padaria. Jean-Baptiste Debret. ACERVOS DOS MUSEUS CASTRO MAYA/IBRAM
Padaria. Jean-Baptiste Debret. ACERVOS DOS MUSEUS CASTRO MAYA/IBRAM

“Toda a cidade, concebendo o maior e mais vivo contentamento, se pôs logo em alvoroço (...) vasos de guerra portugueses e ingleses, ancorados nesta formosa baía, embandeirando-se com mil pavilhões, flâmulas de diversas e matizadas cores (...) e juntamente as fortalezas içando as suas bandeiras, cumprimentaram o real estandarte com uma salva de 21 tiros.”20 Apesar de entusiasmados com a bela recepção e fascinados com a exuberância da natureza tropical, a corte portuguesa não demorou a perceber que seria difícil adaptar-se às condições da cidade e aos hábitos da população local.

O Rio de Janeiro naquele tempo era visivelmente insalubre, cheio de charcos, de pântanos e de lagoas infectas. As vias, por onde dezenas de escravizados circulavam se esquivando de animais à solta, eram estreitas, quase sem calçamento e insalubres. Segundo o comerciante inglês John Luccock, a presença do negro nas ruas da cidade era tão marcante que “um estrangeiro que acontecesse de atravessar a cidade pelo meio do dia quase que poderia supor-se transplantado para o coração da África.”21

Os novos moradores europeus não encontraram aqui os teatros, os cafés nem os saraus de Lisboa. Até aos diferentes hábitos alimentares tiveram que se acostumar. A principal refeição era uma sopa de legumes, carne-seca e feijão. No lugar do pão, farinha de mandioca ou tapioca. O uso do pão de farinha de trigo só começou em 1813, apenas para as classes mais abastadas, conforme se pode depreender dos anúncios de jornais da época coletados por Delso Renault:

No Rio de 1816 existiam somente seis padarias. O emprego da farinha de trigo no lugar da de mandioca tornou a profissão uma indústria de luxo. Pago a 4 vinténs a libra, o consumo de pão tornou-se privilégio de portugueses e estrangeiros. O trigo vinha do Rio Grande do Sul em pequena quantidade. Apenas dois moinhos possuía a cidade naquele ano. Dois anos após a coroação do rei a afluência de estrangeiros, principalmente franceses, provocou o aparecimento de inúmeras padarias francesas, alemãs e italianas, já abundantes na cidade em 1829.

O padeiro brasileiro não dá importância à fabricação do pão que vende, mas brilha (...) na fabricação de biscoitos salgados, roscas e bolachas. Só em 1820 é que começam a surgir as primeiras confeitarias: “o proprietário de uma delas, na Rua Direita nº 13, avisa que principia a ter caffé e chá para aquelles senhores que almoçarem, jantarem ou cearem.”

São vários os anúncios dos profissionais deste ramo: “hum Frances bom official de Padeiro” deseja trabalhar na “Cidade, ou na roça, ou mesmo para o interior”. Com a instalação de algumas padarias, o pão francês substitui as bolachas, broas de farinha de mandioca, de aipim ou de milho (...) porém a entrega de pão a domicílio foi regulamentada em 1868. “Hum moço francez, peritimo (sic) cozinheiro, até de massas, e recem chegado a este paiz, deseja arranjar-se em alguma casa particular.”22



20. Idem, p. 179.
21. BARRA, Sérgio Hamilton da Silva. 1º Colóquio Internacional História Cultural da Cidade, 2015.
22.  RENAULT, Delso. O Rio antigo nos anúncios de jornais. Rio de Janeiro: José Olympio Editora, 1969. p.